Viva a Irresponsabilidade
Estender uma passadeira vermelha a quem perpetra abusos aproxima-nos, cada vez mais, dos países de terceiro mundo.
Tiago Caiado Guerreiro
No final do mês passado, a Presidência da República vetou o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado.Este regime previa que o Estado e os funcionários, tal como qualquer cidadão comum, fosse responsável pelos prejuízos causados aos particulares no exercício das suas funções. Enfim, criava as condições para limitar os arbítrios e abusos do Estado ou dos seus agentes e ao mesmo tempo prestigiar todos aqueles que injustamente trabalhando para o Estado sofrem da má imagem geral deste quando são trabalhadores competentes e responsáveis.Peneirar o trigo do joio era pois um dos efeitos positivos e de justiça e prestígio para com aqueles que abraçam a causa pública, ao mesmo tempo que se sancionavam os maus elementos e más decisões ou omissões do Estado e seus agentes. Não esquecer num exemplo um pouco extremo, se é que alguém em Portugal se pode esquecer, da queda da ponte de Entre-os-Rios, na qual pereceram dezenas e dezenas de inocentes tendo a culpa, invariavelmente, morrido solteira e as indemnizações sido ridículas. Os fundamentos invocados pela Presidência da República para o referido veto foram, entre outros, os seguintes:(I) a incapacidade a nível de receitas públicas para fazer face aos inúmeros processos a que o Estado iria ser sujeito;(II) a limitação na assunção de cargos de alta responsabilidade pela “…plena consciência dos riscos que correm em caso de decisões contestáveis…”, “…não sendo de excluir que os responsáveis administrativos procurem evitar a todo o custo tomar decisões contrárias aos interesses manifestados pelos particulares, pondo assim em risco a imparcialidade devida e a salvaguarda do interesse público.”;(III) e a potencial “…sobrecarga do aparelho judiciário que, provavelmente, se revelará desproporcionada.”, entre outros.Será que num Estado de Direito alguma das razões supra aduzidas faz algum sentido? Não são estes argumentos de uma visão estatista do mundo? Então os lesados não têm direito a indemnizações porque isso acarretaria custos para o Estado? Os agentes que perpetram actos ilegais, abusos, discricionariedades não devem ser responsabilizados? E quanto à sobrecarga do aparelho judiciário, então para que servem os Tribunais senão para defender a Justiça e para permitir aos mais frágeis a possibilidade de através de um órgão de soberania independente ver os seus prejuízos ressarcidos e ver os agentes que praticaram abusos ou actos ilegais sancionados? Com a proposta de Lei apresentada pela Assembleia da República ia criar-se, pela primeira vez, um regime de responsabilidade do Estado igualizando-se as relações entre particulares e Estado.Infelizmente para todos nós o Estado e os seus agentes poderão continuar a espezinhar os cidadãos, cometer erros grosseiros, não tomarem decisões fundamentais e, desculpem a expressão, fazerem o que bem lhes apetece, quando lhes apetece e se lhes apetecer, pois nenhuma sanção lhes será aplicada.Nos países nórdicos, que são modelos de Estados Sociais com uma profunda preocupação pelo Ser Humano, responsabilizam ou premeiam cada agente ou funcionário pelo seu trabalho. Na área fiscal, por exemplo, verificam-se actos abusivos, errados, situações de pressão e de quase extorsão que passam impunes e insancionáveis. Estender uma passadeira vermelha a quem perpetra tais abusos aproxima-nos, cada vez mais, dos países de terceiro mundo em que existem dois tipos de sociedades. Uma elite intocável e irresponsabilizável no sector público onde aqueles que querem realmente servir a causa pública não duram muito tempo e são excluídos do sistema. E todos os outros que pouco ou nada contam a não ser para pagar impostos para alimentar a classe dos intocáveis.A Presidência vetou mal, do lado dos opressores, dos poderosos e daqueles que abusam repetidamente dos portugueses do alto dos seus gabinetes pomposos pagos com o suor dos primeiros. A inimputabilidade nasceu para defender os deficientes e diminuídos e não para criar uma sub classe repetidamente vítima de arbítrios.
(artigo de Lisboa/ Portugal)
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